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DEFESA EM FOCO


ARTIGO - A participação das Forças Armadas do Brasil no Sistema de Prontidão de Capacidades de Manutenção da Paz das Nações Unidas (UNPCRS)


Marcelo Barros | Publicada em 03/01/2023 13:00

1. Introdução

Este artigo analisa a crescente participação das Forças Armadas Brasileiras no Sistema de Prontidão de Capacidades de Manutenção da Paz das Nações Unidas[1]. Esse tipo de participação é algo inédito, se comparado a recente mobilização de contingentes brasileiros empregados no Haiti (MINUSTAH[2]). As tropas inseridas no mencionado sistema, a depender do nível certificação, permanecem em “estado de prontidão[3]”, podendo se desdobrar a qualquer momento em proveito da Organização das Nações Unidas – ONU  (PACHECO; MIGON, 2013).

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A ONU é uma Organização Internacional Intergovernamental (OII), fundada em 24 de outubro de 1945 e tem como objetivo intermediar as relações internacionais; harmonizar a ação dos Estados Membros diante de objetivos comuns; promover a segurança internacional e manter a paz mundial. Atualmente, essa organização é composta por 193 (cento e noventa e três) Estados Membros, sendo estes guiados pelos propósitos e pelos princípios contidos em sua Carta fundadora (ONU, 2022).

O Brasil, como Estado-Membro fundador da ONU e signatário da carta das Nações Unidas, firmada em 26 de junho de 1945, em São Francisco, assumiu o referido compromisso, como registra o artigo 103º da carta de São Francisco:

“No caso de conflito entre as obrigações dos membros das Nações Unidas, em virtude da presente Carta e as obrigações resultantes de qualquer outro acordo internacional, prevalecerão as obrigações assumidas em virtude da presente Carta” (ONU, 1945, p. 59).

Desde então, o país tem envidado esforços no sentido de colaborar com o esforço da ONU em assegurar a paz mundial. Tal assertiva é justificada pelo fato de que o país já participou de mais de 50 missões de paz em 5 continentes e já enviou mais de 60 mil pessoas para missões de paz, entre militares, policiais e civis (ANDRADE; HAMANN; SOARES, 2021):

No ano de 2015, a ONU implementou UNPCRS em substituição ao United Nations Standby Arrangement System (UNSAS), com o objetivo de otimizar o gerenciamento de capacidades ofertadas pelos países membros e assegurar uma prontidão tempestiva em proveito das operações de paz. Assim, a criação do UNPCRS descortinou mais uma oportunidade para a expressão militar brasileira dar continuidade, ou até mesmo, incrementar seu rico histórico de contribuições com as Nações Unidas (RODRIGUES; MIGON, 2017).

2. Participação das Forças Armadas Brasileiras no UNPCRS

A participação brasileira junto à ONU teve início em 1947, ocasião em que o país enviou diplomatas e militares para exercerem a função de observadores na Comissão Especial das Nações Unidas para os Bálcãs (UNSCOB). Tal missão tinha como objetivo monitorar a fronteira da península grega em face das tentativas de intervenção da Albânia, Bulgária e Iugoslávia durante a guerra civil da Grécia (PEREIRA, 2019).

Desde então, o Brasil passou a contribuir com o envio de militares em missões individuais e/ou coletivas para integrar as operações de paz sob a égide da ONU. Em algumas missões, o país assumiu o comando e controle das operações, como na MINUSTAH e na Força Interina das Nações Unidas no Líbano (UNIFIL). Em ambas as missões, teve uma expressiva participação de militares brasileiros. A primeira evidenciou o protagonismo brasileiro para a consecução da estabilidade política e transição democrática do Haiti e a segunda se destacou por ser a única força naval do mundo atuando em proveito da ONU (BRASIL, 2022).

Em consonância com o histórico brasileiro em operações de paz, existe um extenso arcabouço político-estratégico que estimula a participação brasileira em organismos internacionais, particularmente na expressão militar como instrumento da Política Externa Brasileira (PEB), a qual é materializada pelo envio de contingentes de tropas em missões de paz, a fim de projetar o país no concerto das nações.

Colimada com a perspectiva apresentada e alinhada com a Lei Complementar de 97, de 9 julho de 1999, a Política Nacional de Defesa (PND) destaca como sendo um dos objetivos nacionais de defesa (OND):

“VI. Contribuir para o incremento da projeção do Brasil no concerto das nações e sua inserção em processos decisórios internacionais. Caracteriza-se pelas ações no sentido de incrementar a participação do Brasil em organismos e fóruns internacionais, em operações internacionais, visando auferir maior influência nas decisões em questões globais” (BRASIL, 2016a, p. 25, grifo nosso).

No mesmo delineamento, a Estratégia Nacional de Defesa (END) prevê sobre a participação do Exército Brasileiro em atitudes dessa natureza:

“O Exército deverá, também, ter a capacidade de projeção de poder, constituindo uma Força Expedicionária, quer para operações de paz, ajuda humanitária ou demais operações, para atender compromissos assumidos sob a égide de organismos internacionais ou para salvaguardar interesses brasileiros no exterior” (BRASIL, 2016b, p. 47).

Com relação ao UNPCRS, constata-se que ele está estruturado em quatro níveis, assim discriminados: três diferentes níveis convencionais e um nível de desdobramento rápido. Tais métricas regulam o nível de comprometimento e prontidão dos Troop Contributing Countries/Police Contributing Countries (TCC/PCC) no emprego de suas tropas em favor das operações de paz, em curso ou futuras.

No nível convencional nº 1 do UNPCRS, o Estado-Membro cadastra as suas capacidades a serem empregadas em missões de paz e faz isso por meio de um formulário de compromisso constante no web site da ONU, ou por meio de uma nota verbal, devendo anexar os seguintes documentos: Tabela de Organização, Lista de Equipamentos Principais e Lista de Serviços de Autossustento.

A ascensão para o nível convencional nº 2 do UNPCRS, é regulada por meio de convite do Secretariado das Nações Unidas ou por iniciativa do próprio TCC/PCC. Após manifestação e concordância de ambas as partes, os elementos do Departamento de Operação de Paz da ONU[4] e os elementos do Departamento de Apoio Operacional[5] coordenarão, junto ao país proponente, a realização de uma Visita de Avaliação e Assessoramento[6], com intuito de vistoriar as capacidades ofertadas quanto aos quesitos de efetivo, disponibilidade de equipamento de grande porte e de autossustento e o padrão de treinamento da tropa a ser desdobrada.

A migração para o nível convencional nº 3 do UNPCRS está condicionada ao nível de preparação do TCC/PCC demonstrado durante a AAV transcorrida na certificação do nível nº 2 do UNPCRS. A inserção de tropas ao nível convencional nº 3 do UNPCRS ocorre mediante convite do Secretariado ou manifestação do TCC/PCC, que terá o seu pleito avaliado pelo Quartel-General da ONU. Caso a certificação da tropa seja aprovada, o Estado-Membro deverá remeter uma Nota Verbal à ONU, apresentando os seus equipamentos de grande porte e de autossustento, plano de embarque, o porto de embarque e o tempo médio para o desdobramento da tropa após o acionamento. Cabe ressaltar que, após a ascensão ao nível nº 3 do UNPCRS, o país proponente deverá confirmar, anualmente, sua permanência no mencionado nível.

A certificação no nível de Desdobramento Rápido[7] requer que o TCC/PCC esteja habilitado no nível n° 2 ou nº 3 do UNPCRS. O processo de adesão ocorre por intermédio de convite do Secretariado da ONU ou por manifesto de interesse do Estado-Membro, devendo o país proponente comprometer-se em desdobrar suas capacidades num prazo máximo de 60 (sessenta) dias em alguma missão de paz corrente ou vindoura, além da necessidade em remeter a Lista de Equipamentos Principais e o Plano de Embarque de Carga requeridos para esse nível de certificação.

Após a remessa da documentação citada, será agendada uma Visita de Verificação de RDL[8], capitaneada por representantes do DPO e DOS, a fim de certificar as capacidades ofertadas no que tange ao plano de mobilização, ao nível de adestramento da tropa e aos meios disponibilizados. Cabe salientar que este nível de certificação demanda prévia autorização do órgão parlamentar do país para viabilizar um desdobramento tempestivo da tropa quando acionada pelo Secretariado da ONU.

Diante dessa nova modelagem requisitada pela ONU no desdobramento de tropas em operações de paz, desde 2017 o Brasil tem realizado esforços no sentido de inserir tropas brasileiras no UNPCRS. Esses esforços resultaram na certificação no nível convencional nº 3 do UNPCRS, de duas Companhias de Ação Rápida Marinha do Brasil. No nível nº 2 do UNPCRS, o país obteve a certificação dos seguintes módulos de combate: três Unidades de aviação, um Batalhão de Infantaria, um Batalhão de Infantaria Mecanizado, duas Companhias de Reação Rápida, uma Companhia de Engenharia e um Hospital de Campanha nível 2 do UNPCRS. No nível n° 1 do UNPCRS, o país obteve a certificação dos seguintes módulos de combate:  um Grupamento Operativo de Fuzileiro Naval e uma Companhia de Polícia do Exército, conforme demonstrado a seguir:

Figura 1 – Capacidades cadastradas no UNPCRS

Mesmo com o incremento de tropas certificadas junto à ONU, o processo decisório de emprego de tropas em proveito das operações de paz não está restrito somente ao Ministério da Defesa e às Nações Unidas. A decisão de enviar tropas nacionais para atuar em solo estrangeiro tramita em diversos órgãos do poder executivo, haja vista que o Congresso Nacional é o responsável pela anuência ou não, do desdobramento de tropas, como se pode observar no fluxograma abaixo:

Figura 2 – Fluxograma Decisório de Emprego de Tropa

Em consequência do vetor político, o Brasil, nos últimos anos, tem contribuído com pessoal em proveito da ONU somente em missões individuais, perfazendo, em 2022, um total de 76 (setenta seis) militares desdobrados em missões de paz onusianas. Esse quantitativo corresponde a cerca de 3% do auge da participação brasileira junto a ONU, quando o Brasil desdobrou dois Batalhões de Infantaria e uma Companhia de Engenharia, no contexto da MINUSTAH.

Assim, os números atuais vão de encontro ao esforço despendido pelo Ministério da Defesa em aumentar a participação brasileira em organismos internacionais. Soma-se a esse fato que, em julho de 2020, o Brasil foi eleito para o seu 11º mandato como membro não permanente do Conselho de Segurança da ONU para os anos de 2022-2023. Situação que, juntamente com a estatura geopolítica do brasil, insta o país a contribuir com efetivos mais robustos em missões de paz onusianas.

Dessa forma, considerando que as missões de paz da ONU são deflagradas, majoritariamente, em locais de conflito, a participação brasileira em missões de paz também significa manter parte de seus efetivos em ambiente de conflitos, permitindo o aprimoramento da doutrina militar terrestre e o adestramento de seu pessoal. Além disso, também auxilia na projeção do poder militar brasileiro em outro teatro de operações (TEIXEIRA, 2017).

3. Conclusão

Com a criação do Sistema de Prontidão de Capacidades de Manutenção da Paz das Nações Unidas, descortinou-se mais uma oportunidade para as Forças Armadas Brasileiras contribuírem junto à ONU. Nessa perspectiva, considerando a quantidade de módulos de combate e de Organizações Militares certificadas nos mais diversos níveis do UNPCRS, é possível afirmar que há um incremento na projeção da expressão militar brasileira no cenário internacional.

Em outras palavras, o sucesso do Brasil junto ao Sistema de Prontidão de Capacidades de Manutenção da Paz das Nações Unidas reforça a posição de liderança regional e de ascensão no cenário internacional. Dessa forma, pode-se dizer que a expressão militar tem contribuído para o fortalecimento da Política Externa do Brasil, aumentando a capacidade do país em alcançar o status almejado de Global Player, ou até mesmo, pleitear um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU (VITELLI, 2015).

Infere-se, também, que é lícito afirmar que o consenso político é um fator necessário a ser trabalhado para o envio de tropas a atuarem sob a égide da ONU. Em 2018, quando foi oferecido ao país a missão de paz das Nações Unidas na República Centro-Africana (MINUSCA)[9], o fator político foi determinante para o Brasil declinar de tal proposta, restando apenas o envio de observadores.

Em face do exposto, se as Forças Armadas Brasileiras desejam voltar a atuar de forma expedicionária no exterior, é imperativo que sejam realizados estudos que comprovem os benefícios de manter contingentes militares em solo estrangeiro, de modo a demonstrar ao Congresso Nacional, os aspectos postivos dessa iniciativa junto à Organização das Nações Unidas

[1] United Nation Peacekeeping Capabilities Readiness System – UNPCRS.

[2] Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti – MINUSTAH, sigla em francês para Mission des Nations Unies pour la Stabilisation en Haïti.

[3] Princípio da Prontidão – Princípio de Guerra que se define como a capacidade de pronto atendimento das Forças Armadas para fazer face às situações que podem ocorrer em ambiente de combate. A prontidão fundamenta-se na organização, no adestramento, na doutrina, nos meios e no profissionalismo das forças, consubstanciando-se nas seguintes funções militares: comando, inteligência, planejamento, operações, logística e mobilização (BRASIL, 2015).

[4] Department of Peace Operations – DPO.

[5] Departament of Operational Support – DOS.

[6] Assessment and Advisory Visit – AAV.

[7] Rapid Deployment Level – RDL.

[8] RDL Verification Visit.

[9] Mission des Nations Unies pour la stabilisation de la République Centrafricaine.